domingo, 24 de outubro de 2010

Um tudo transformado num nada

Acabo de entrar e deparo-me imediatamente com uma azáfama massiva no apartamento que julgava ser o meu. Chove copiosamente lá fora mas instantaneamente desejo lá estar. Substituir o cheiro a corpos pelo cheiro a chuva. Substituir o som dos gemidos pelo som da chuva a embater no solo e o som do solo a absorver a chuva. Homens por cima de mulheres e homens por cima de homens e mulheres por cima de mulheres e homens por cima de homens interpretam a dança do acasalamento da forma mais imperfeita. Lábios a tocarem-se molhados. Beijos de garrafas em copos e de copos em bocas e bocas em sexos e de sexos em sexos. Uma orgia alcoolizada como sempre o é, ditará os pensamentos suicidas do amanhã. Dos que sobreviverem até ao amanhã. Mantenho-me na mesma posição durante dias horas ou minutos. Não o sei, porque tudo o que se passa à minha volta nada mais é, que algo que não existe. Manchas de sangue e suor no chão que de repente são manchas de sangue e suor em mim que de repente são manchas de sangue e suor minhas, ditam os níveis de violência que se fazem ouvir e que se fazem sentir. Inconsciente, vejo-me arrastado para aquela pirâmide de corpos que há pouco abominara e agora sou eu a azáfama massiva no apartamento que julgava ser o meu e sou eu os homens por cima de homens e os homens por cima de mulheres e sou eu os homens por cima de homens. São os meus lábios secos mas molhados que tocam noutros lábios secos e molhados e noutros copos usados e noutros sexos gretados que beijam outros sexos esquecidos. O demónio olha-me sorridente enquanto me observa no local onde há pouco eu observava os outros demónios. Sou eu agora que aguardo os pensamentos suicidas. Sou eu que aguardo a escapatória que me faça esquecer o que fiz. O que hoje fiz. O que fiz agora. Tento gritar mas nenhum som sai senão o som do silêncio. Senão o som das cordas vocais que me foram arrancadas como garantia de que daqui, nada sairá. Nada sairá senão os sentimentos violentos descarregados em corpos indefesos por corpos que anteriormente descarregaram sentimentos violentos noutros corpos indefesos tornando-se eles mesmos, corpos indefesos. A mesma imagem que há pouco vira repetida e a mim me parecera não mais que uma necessidade fisiológica completamente alheia e desnecessária à minha pessoa, é agora protagonizada também por mim. Sou penetrado enquanto penetro e tocado enquanto toco e beijado enquanto beijo. Sinto o clímax a aproximar-se. Sinto os clímaxes aproximarem-se. Corpos contorcem-se, uns a seguir aos outros e descontraem-se uns a seguir aos outros. Os olhos encerrados pela força do prazer abrem-se custosamente.
Lá fora continua a chover copiosamente e eu não sinto nada.

8 comentários:

  1. o titulo devia ser "lenga lenga da orgia"! big first text

    o benjamim seguirá este.

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  2. sinto-me tentada a garantir que isto não é autobiográfico. (hope so)
    de 0 a 5? 6*

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  3. leitora assídua...a partir de agora :)

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  4. vivo no anonimato, mas não sou anónimo/a para mim, bom ou mau? Não sei, por vezes sim, por vezes não.8 de outubro de 2012 às 00:17

    Meu deus... Isto foi forte, sufocante...

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    1. Não é surpresa não ser auto-anónimo o que seria de facto interessante caso o fosse.
      Se é bom ou mau não me cabe a mim a resposta.
      Foi o início.

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    2. O que pus no nome refere-se a mim, Miguel, por vezes acho bom que não se saiba nada, ou que se saiba apenas o mais superficial a meu respeito mas por outro lado acho que isso me afasta do mundo, mas verdade seja dita quase que prefiro assim. É como que viver no anonimato para com os outros, apesar de me "conhecerem" mas não para mim que sei muito bem quem sou e o que sou. Até tenho medo que descubram, sabes? Mas digo-te, gostei do post, sufoca à medida que o lemos, gosto de ler o que me faz sentir.

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