segunda-feira, 28 de março de 2011

Assobio Diário

E lá num fundo vai ele. Cansado e cabisbaixo assobia uma melodia inaudível. Guarda nos bolsos os acontecimentos. Os bons e os maus.

-Oh dia, vai devagar que amanhã és outro.

E será. Adormece com a escuridão assim como eu. E acorda com a luz assim como eu.

-Oh dia, vem que hoje és outro.

Vem sempre descontraído e sem planos. O que acontecer acontece. Ele quer lá saber. Vai pontapeando pedras que rolam e saltam sobre o asfalto. Vai gritando aos ouvidos de janelas que devagar destapam o cobertor da noite e abraçam o frio gélido da manhã. Nevoso. Chuvoso.

-Oh dia, amanhã és outro?

-Sou sim. Mas para ti não.

domingo, 20 de março de 2011

(Des)conhecimento

          Para quando a antipatia é símbolo de sucesso social. Para quando a indiferença é atraente. A bajulação não. Para quando a beleza é feia. Para quando o feio é beleza. Para quando a arte não é nada. Para quando branco é arte. Diferente é arte. Nada é arte e arte é nada. Para quando um sorriso é azul. Ou castanho. Para quando o branco é negro e é com negro que nos sentimos bem. Para quando chove e não conseguimos abrir os olhos. Para quando abrir os olhos é o que menos queremos. Para quando a gordura é formosura. Para quando não o é. Para quando andamos nus no inverno. Para quando andamos vestido no verão. Para quando a calçada se atira para cima de nós. Nos morde os dedos. Nos rói as unhas. Para quando temos olheiras no peito e pêlos nos olhos. Para quando andamos com as mãos e comemos com os pés. Beijamos com os joelhos. Choramos pelos sovacos. Para quando entramos numa sala e todos nos olham. Para quando isso é bom. Para quando isso é mau. Para quando ler já nada significa. Para quando grandes autores são pequenos autores e para quando pequenos autores são grandes autores. Para quando nós mesmos somos autores. Para quando a poesia não vale nada. Para quando amor é a palavra que nos apunhala desde os tempos do liceu. Para quando temos na manhã a noite e a noite na manhã. Para quando beber não chega. Para quando correr não chega. Para quando a distância que queremos nunca é suficiente. Para quando procuramos até não querermos encontrar. Para quando nos perdemos. Para quando nos encontramos. Para quando tentamos agarrar a música e esta abre janelas e esvoaça. Para quando um piano nos completa. Para quando não gritamos o suficiente. Para quando não falamos o suficiente. Para quando não se sabe o que felicidade é. Para quando felicidade o não é. Para quando a palavra é curta. Para quando dói e sabe bem. Para quando precisamos que doa. Para quando a parede é negra. O humor também. Para quando não o é no bom sentido. Para quando chorar é sorrir e sorrir é chorar.

Para quando estamos. Para quando não estamos.

Até quando estaremos?

domingo, 13 de março de 2011