domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sair de Casa Mata.

        Encostava-se a mim. Beijava-me a face. A barba picava-lhe. E ria-se. Ria-se com a alegria de uma criança que descobriu algo novo e está prestes a pedir “outra vez!”. Ouvia a água no banho escorrer-lhe pelas costas. Ouvia a sua voz escorrer-lhe pelos lábios. Cantava músicas antigas cujas letras eram intermitentes consoante a sua memória. Era nessa altura que eu escrevia. Que eu sorria. Que eu chorava. Que eu amava.
E eu, esperava. Esperava que saísse para olhá-la no exacto momento em que encharcada, fazia deslizar a porta de correr e aparecia, atrapalhada com a tarefa que era a de segurar firmemente a toalha acima do peito. E ela, despreocupada, apenas com as pontas dos dedos deslocava-se para a cómoda que atrás de mim guardava a sua indumentária mais íntima. Atrás de mim, oiço a toalha que a cobria deslizar pela sua pele e atingir o chão. Não olho. Deixo a imagem de perfeição transformar-se no pensamento de perfeição. Porque perfeição é isso mesmo, um pensamento. Oiço a sua voz perguntar-me algo e responder-me algo, como só ela consegue sem que sequer me deixe proferir a mais pequena e simples palavra. A porta bate atrás de mim e começa mais uma vez, o tormento de um dia à espera do seu retorno. Do seu calor. Mas hoje, eu saio. Abro a porta e por duas vezes subo as escadas principais com dúvidas se a porta ficou trancada. Devoro cada pedaço de pedra com prazer e com um sorriso disfarçado nos lábios. Quando alguma mulher se atravessa no meu raio de visão, desvio o olhar. Esqueço. E lembro. Lembro-me da pessoa cuja melodia cantada no duche me fez caminhar mais um dia. O sol desafia todas as leis. O céu, limpo, grita com o Inverno. Pede-lhe que vá embora. Diz-lhe que para ele, não há mais emprego. Acabou. A minha pele vai ficando rosada. Escaldada. A face. Os braços. A minha garganta vai ficando seca. Seca. A minha garganta vai ficando seca. Bebo um pouco de água. Seca. A minha garganta vai ficando seca. Amedrontado em relação a não conseguir cumprir a distância que me levará de volta à minha toca, dou meia-volta e caminho. Volto. Reponho agora a pedra que para este lado vim devorando. Olho para cima e vejo o céu reatar com o Inverno. Vejo o céu reatar com o Inverno e a chuva com eles. Ao chegar a casa a porta não está trancada. Não está trancada. Ao entrar. A água do duche faz-se ouvir. A melodia e as letras intermitentes ecoam. A porta de correr desliza. O corpo encharcado pinga na alcatifa. Encharcado. E à espera. À espera de tudo isso, não estou eu. Desta vez, não sou eu.
Oiço um estrondo esmagador. Ensurdecedor. Um estrondo um estrondo.
Nunca soube o que foi. Atrás de mim, ficaram dois corpos. Caídos. Um, tinha uma toalha. Outro, esperava. Esperava por aquilo que eu esperei. Mas agora, não espera mais.

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